Revista Escrever

SUSPENSE, MISTÉRIO, TERROR

Vou procurar responder aqui a certas dúvidas que tenho observado tanto em meus alunos do curso de formação de escritores como em escritores a que venho prestando assessoria à distância. O tema inicial é FICÇÃO DE GÊNERO. E, a seguir, abordo as diferenças entre as modalidades de gênero SUSPENSE, MISTÉRIO E TERROR.

A ficção pode ser LiteráriaDominante ou De Gênero. Já me referi a isso no início desta série, desnecessário repeti-lo aqui. Mostrei, inclusive, exemplo de gêneros e de subgêneros. De onde veio essa classificação? Basicamente ela foi criada pelo mercado editorial, que precisou definir os diferentes nichos que os LEITORES preferem, de forma que tanto editores quanto autores pudessem se adequar aos gostos e exigências daquele que manda em qualquer mercado: o consumidor. Ao longo dos anos, esses nichos foram se definindo e estratificando em gêneros e subgêneros, variações especiais dentro de cada gênero.

Por exemplo, na ficção de gênero romântica há regras bem definidas a observar pelo autor. A trama tem que girar em torno de uma relação de amor heterossexual, o conflito e o antagonismo provêm de alguém ou alguma condição que tenta impedir o sucesso dessa relação, a epifania surge quando um dos dois (ou ambos) protagonistas consegue se transformar e, superando suas falhas ou limites, logra alcançar condições para tornar o amor possível. E o fim tem que ser sempre feliz. Para poder fazer parte da forte RWA – Romance Writers of America – não basta pagar a anuidade de 100 dólares. Você precisa provar que já publicou pelo menos um romance com essa estrutura geral e se comprometer por escrito a observá-la sempre em suas próximas obras

Caramba, mas isso não é caretice, não é engessar a criatividade do autor? Olhe, pode até ser, mas acontece que as editoras já sabem que há um gigantesco público consumidor para este tipo de gênero literário, apenas o maior de todos para ficção. Então elas não vão investir dinheiro na publicação de uma obra de ficção romântica que não esteja adequada a estes cânones. Ou seja, se você quer ser publicado e vender ficção romântica, então você tem que escrever dentro desses estreitos limites de estruturação. É simplesmente uma questão de escolha. Ela é fundamentalmente mercadológica e, não, artística. Se o seu par romântico é formado por pessoas do mesmo sexo, sua história será reclassificada para outro importante nicho de mercado, que é a ficção de gênero LGBT.

Pois bem, da mesma forma que para o gênero de ficção romântica existem essas regras particularíssimas, outras regras se aplicam a cada um dos outros gêneros e subgêneros.

Agora passo a responder e esclarecer as dúvidas sobre o que é adequado aos gêneros de Suspense, Mistério e Terror.  Enfatizando, outra vez, que é tudo uma questão de adequar-se àquilo que o mercado editorial aceita publicar, que é o reflexo exato daquilo que os leitores aceitam comprar.

Você pode, perfeitamente, escrever fora da caixinha, rebelar-se contra essas imposições de gênero, operar dentro de um nicho híbrido menos comum. Apenas lembre que vai ser mais difícil que as editoras aceitem o seu manuscrito – nada que uma boa autopublicação não possa resolver, desde que você se garanta com o marketing, a divulgação e a venda.

Contudo, depois, nas livrarias, você vai notar a mesma má vontade com a exposição e difusão de sua obra. Fazer o quê?, são as regras do mercado. Mas, insisto, isso não é razão para você desistir da luta, você pode ir em frente por conta própria nas etapas de produção, distribuição e comercialização, desde que aprenda a se estruturar para isso.

SUSPENSE é a grande mãe desse e dos outros dois gêneros também. É óbvio que o Mistério e o Terror bem-sucedidos são também movidos a suspense. A diferença está em como você cria e gradua esse suspense, onde o aplica, qual a situação do protagonista, do crime, da solução.

Há pelo menos um crime ou uma tragédia natural no enredo de qualquer dos três gêneros:

No Suspense, o leitor fica ali, roendo as unhas, antecipando o crime que pode acontecer.

No Mistério, o crime normalmente JÁ aconteceu ao começar a história.

No Terror, mais brutal, o leitor VÊ o crime acontecendo, conhece o criminoso

Qual é a grande questão do enredo:

No Suspense é: Como evitar que o crime aconteça.

No Mistério é: Quem praticou o crime.

No Terror é: Como vai morrer a vítima.

 

Como o autor orienta o leitor:

No Suspense, o leitor conhece perigos que os protagonistas ainda não sabem que vão correr.

No Mistério, o leitor recebe e procura indícios que lhe permitam descobrir o criminoso por si.

No Terror, o leitor vê as ações, não existe mistério, o leitor conhece o segredo.

 

Como funciona no leitor:

Suspense: Emoção, coração. Preocupação com os protagonistas e sua sobrevivência.

Mistério: Pensamento, cérebro. Dedução intelectual.

Terror: Visceral, medo. Susto.

A seguir vamos falar mais detalhadamente sobre como criar suspense em seus escritos, de um modo mais geral, não restrito apenas a estes três gêneros aqui mencionados.

 

ESCREVER SUSPENSE

Primeiro vamos recapitular algo que escrevi antes sobre diferenças entre suspense e mistério, para deixar as coisas bem claras. Em Mistério eu trabalho com o intelecto do leitor, estimulo-o basicamente a descobrir “quem fez isso”. Há um mistério e ser resolvido pela capacidade intelectual do leitor, que emparelha (e tenta se antecipar) com quem deve solucionar o mistério, que é o protagonista. Mas veja que eu falei: “quem FEZ isso”. Ou seja, via de regra, a coisa já foi feita.

Em suspense, a coisa ainda não foi feita. Mas está em vias de ser feita ou de acontecer. Então o que eu tenho que fazer é dar informações a meu leitor para que ele saiba de antemão o que pode vir a acontecer. Coisa que meus protagonistas ainda não sabem! Eu preciso fazer também que meu leitor não queira que a coisa aconteça. Que sofra de antemão com meu protagonista, que é a grande vítima potencial do mal que pode acontecer (fora o bairro, o país e o planeta Terra!). O mal tem que ser evitado a qualquer custo. Para isso preciso fazer meu leitor gostar dos meus protagonistas, identificar-se com eles.

Vamos pegar por exemplo o caso clássico da explosão de uma bomba. O antagonista armou a bomba para explodir em 20 minutos. Há um monte de gente no lugar e ninguém sabe que a bomba está escondida ali, pronta para detonar automaticamente em mais x minutos. Minha protagonista descobre que pode existir uma bomba. Porém não sabe se ela existe de verdade, onde está, qual a sua potência e quando explode.

Mas meu leitor sabe de antemão tudo isso. Ele sabe que a bomba existe, sabe o dano que ela pode causar, sabe onde ela está e eu ainda faço a crueldade de mostrar os números digitais escorrendo em contagem decrescente. Quatro minutos para a bomba explodir e o pessoal contando piadas ao redor da mesa. A bomba está em baixo da mesa!

Três minutos para explodir e ninguém dá

bola quando a protagonista chega apavorada e

 diz que foi informada que existe uma bomba no salão. Dois minutos para o bum e, para aumentar a tensão, eu faço duas menininhas inocentes entrar debaixo da mesa, brincando de esconder. Pior, são as filhas da protagonista que eu fiz os leitores amarem de paixão, porque é uma criatura admirável.

Eu escrevo: 15:29. Os leitores já sabem que a bomba vai explodir às 15:30 exatamente. Agora as menininhas brincam com um cachorrinho que apareceu em baixo da mesa. O antagonista, que é um terrorista louco e quer se explodir junto com todos, impede a protagonista de se aproximar da mesa, quando ela está a três passos de saber onde está a bomba e descobrir onde suas filhas se meteram.

15:29:50. De nada adiantaria a protagonista achar a bomba ali no pé da mesa, ao lado de suas crianças. Ela não saberia como e nem teria tempo para desativá-la. Esse é o momento de máxima agonia para o leitor, suspense máximo. Meu Deus, qual o milagre que pode acontecer para salvar minha protagonista e suas menininhas, as únicas pessoas pelas quais o leitor sofre e com quem  se preocupa, por causa de quem cresce sempre o suspense? Os outros no salão são meramente figurantes para o leitor, embora possam ser velhinhas do asilo ou crianças da escola.

Se fossem só deputados, possivelmente os leitores estariam torcendo agora a favor do vilão. Mas o problema é que, no meio desses políticos, estão nossa amada protagonista e suas crianças inocentes. E elas, junto com o antagonista, estão exatamente ao lado da bomba, no epicentro da explosão. Possivelmente a tragédia seja tão grande que elas morram e os deputados lá das pontas escapem só com as perucas chamuscadas. E os leitores, indignados, nunca mais leem um livro meu.

15:29:59. O fim! Mas, na hora H, o cachorrinho, seguindo o milenar instinto, levanta a patinha e faz xixi no pé da mesa. Bem no ponto onde está escondido o detonador. Molhado, ele não funciona. A santa mijadinha salvou a humanidade. A festa se prolonga até ás 18 horas, todo mundo vai embora contente, as velhinhas, as crianças e os deputados se salvam, a protagonista fica desmoralizada, o terrorista mais ainda. Nossa heroína fracassada vai para casa com suas filhas, decidida a deixar de bancar a detetive, voltará humildemente a dar aulas de física quântica na universidade.

19:30. O terrorista, mudando de opinião e de fé, volta escondido ao salão de festas e, entrando em baixo da mesa, começa a desarmar calmamente sua preciosa bomba para rearmá-la no Congresso. Agora ele sonha converter-se em ídolo popular, ser reconhecido como herói nacional e salvador da pátria. A última coisa que ele nota é aquele estranho cheiro de xixi. Azar seu: a água acabou enfim de evaporar. Buuuummmm! O salão vazio, a grande casa de festas vazia, o quarteirão vazio, desaparecem no ar.

Nossa heroína é reabilitada, todos pedem perdão a ela, até o maridão reaparece e pede para voltar. Mais por cima do que nunca, ela perdoa somente o povo.

Nosso vilão, coitado, morreu em vão, não conseguiu levar ninguém com ele para o inferno, justo quando o potencial para isso era máximo, com todas aquelas centenas de deputados em cena. Maldito cachorro mijão!

Agora, deixando o lado engraçado da história de lado, vamos usar o exemplo para concluir:

Suspense é ANTECIPAÇÃO DA AÇÃO. Assim que a ação acontece, acabou o suspense. No nosso exemplo, houve suspense crescente até que o leitor se convenceu que a bomba não ia mais explodir. Bendito cachorrinho, pensarão muitos. Maldito cachorro mijão! – pensarão os mais politizados. Mas o fato é que ACABOU O SUSPENSE.

Mas COMEÇOU O MISTÉRIO:

Quem montou a bomba naquele lugar? Quem a detonou? Por quê?  Está vendo: “Quem fez isso?” Quem era aquele maluco, pulverizado sem deixar vestígios, prejudicado que foi pela atitude pusilânime de um maldito cachorro mijão?

FALTANDO: Título, boxes, ilustração

CLIQUE NOS LIVROS

COMO É CARO SER MULHER!

Milton Maciel – IDEL, SP – 200 pg Como o próprio corpo, os costumes e o mercado penalizam a mulher, obri- gando-a a gastar muito mais que o homem. eBook Kindle  R$ 14,50 https://amzn.to/2ZYtJNV Livro impresso  R$ 25,00 delphos09@yahoo.com

LA GUERRE DE JACQUES et les détours de la vie

Amazon, 337 pg Milton Maciel, João Cirilo e Daniel Miedzinski Dans la Belgique envahie, Jacques est piégé em 1943 par les Nazis et envoyé en Allemagne pour être travailleur esclave dans l’industrie métallurgique. Un bombardement Allié à ...

ESCRAVIZADA

Milton Maciel – IDEL, SP – 200 pg A luta de duas meninas de 14 e 11 anos para escapar da prostituição infantil nos garimpos do Pará e no interior do Ceará. Um tocante relato baseado na vida real, mas conduzido com tanto humor quanto possível. ...

JOÃO RAMALHO NO PARAÍSO

Milton Maciel – IDEL, SP – 200 pg Romance histórico, Brasil colonial, 1512. A divertida história do pioneiro português e suas sensuais índias guaianases. eBook Kindle R$ 14,50 https://amzn.to/2GXMEjq Livro impresso R$ 25,00 ...

A GUERRA DE JACQUES

A GUERRA DE JACQUES Milton Maciel, João Cirilo e Daniel Miedzinski IDEL, SP - 400 pg - Romance histórico A saga de um herói da Resistência belga durante a 2a. Guerra Mundial. Na Amazon eBook R$ 19,80  https://amzn.to/2VIQqq1  Papel  R$ ...